quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os sonhos e ideais e a feiura de Jânio Quadros




No dia 25 de agosto de 2011 completam-se 50 anos daquele que foi talvez o ato mais irresponsável da política brasileira: a renúncia do então Presidente da República Jânio Quadros após apenas 7 meses de governo, naquilo que se percebe agora fora uma tosca tentativa de golpe para aumentar seus poderes. Seu gesto inconsiderado resultou numa crise cujos efeitos modificariam profundamente a história do Brasil. De fato, sem a renúncia de Jânio, o golpe militar de 1964 poderia não ter ocorrido e a eventual volta de Juscelino Kubitschek ao poder em 1965 teria posto o Brasil em outros trilhos. Estaríamos melhor agora?
A carta acima é interessante e reveladora, na medida em que Jânio sempre se recusou a dar explicações para seu ato inexplicável: o máximo que fez foi evocar “forças ocultas” que o teriam obrigado a renunciar. Revelar a verdade sobre seu malogrado e quixotesco golpe seria para Jânio admitir um erro de avaliação grotesco, que resultava de uma instabilidade que a população já percebera, mas que a maioria preferia considerar apenas histriônica.

Por incrível que pareça, quase 18 anos após a renúncia, vivendo então em total ostracismo antes de sua volta à política (com a eleição para a prefeitura de São Paulo em 1985), Jânio ainda teve a surpresa de receber esta carta de um admirador americano da categoria do Dr. Ben Braude. Na verdade, Braude escrevia para quase todo mundo que tivesse qualquer notoriedade e fazia perguntas instigantes na expectativa de receber de volta uma carta com conteúdo interessante para sua coleção. Tinha mais de 80 anos, fora cirurgião e sabia redigir cartas encantadoras que tocavam seus correspondentes, a quem também muitas vezes pedia uma foto autografada. Assim o fez com Jânio, perguntando-lhe sobre a renúncia, e o ex-presidente resolveu abrir-se como nunca o fez em público com aquele correspondente que ele nunca vira:

“Sua carta gentil deixou-me verdadeiramente muito feliz. Por ser tão feio, é obvio que não guardo fotos de mim mesmo. A respeito do outro assunto, sim! Após alguns meses ficou claro para mim que era impossível ser um bom Presidente sem abrir mão de meus sonhos e ideais. Por isso, desisti (...)”

Esta carta, encontrada há pouco, quando da dispersão em leilão dos numerosos papéis do Dr. Ben, traz agora − algumas semanas antes da triste efeméride de 25 de agosto − um raro momento de estudada sinceridade por parte de um personagem que sempre evitou reconhecer o óbvio, senão o da sua própria feiúra.



Fonte:
Revista Piauí
Pedro Corrêa do Lago, nascido no Rio de Janeiro em 1958, é mestre em economia pela PUC - Rio. Interessa-se por manuscritos desde os 13 anos e formou a maior coleção brasileira particular de documentos históricos e literários.